Vinte e cinco séculos passaram desde que Ésquilo, insatisfeito com a vida
que os atenienses tinham de suportar, marcada pela angústia e pelo terror, escreve
a Oresteia, numa época que aspirava a
ordem mas que se movia no mistério e no medo, num mundo onde reinava a
violência. Ésquilo inquietava-se, protestava se for preciso, e este protesto
leva a uma aspiração da justiça. A Oresteia
é mais um protesto de Ésquilo e dos Cidadãos de Atenas.
Ao longo das três peças que compõe a Oresteia
(Agamémnon, Coéforas e Euménides) esta justiça, que começa por
ser divina por isso temida, é desejada e reivindicada e por fim retocada e
humanizada. Este é verdadeiramente o propósito de Ésquilo que não se contenta
com um otimismo simplista, mas procura uma ordem, um ideal cívico e uma certa
imagem de chefe digno.
Vinte e cinto séculos passados e nada
mudou. A nossa Hélade vive momentos
tão difíceis como então, as nossas coéforas
continuam subjugadas pela discriminação e abandono total, “vemo-nos gregos”
para suportar os desígnios e infortúnios que deuses (que se consideram) maiores
assim nos obrigam a suportar, e as euménides,
representantes da justiça, sempre tardam a chegar.
Ésquilo era um artista (escrevia, encenava e interpretava), e aos
artistas sempre foi incutido o dever e a responsabilidade de denunciar o
subjugo que os οἱ τύραννοι (os tiranos) e οἱ
δεσπόται (os déspotas)
impunham ao povo. Ésquilo fazer chegar ao espírito do espectador o sentido de
uma sociedade mais humana e humanizada, justa e com igualdade de deveres e
direitos…
Caros Cidadãos desta Atenas, não esperem que a Oresteia a que assistis seja apenas mais um espetáculo; mais um
tema clássico que fica bem na programação do Theatro Circo. Não esperem chegar
um pouco antes do espetáculo, comprar calmamente o bilhete e entrar na sala, e
comodamente, sentados na plateia, assistir a um bonito clássico. Desenganem-se,
o desconforto e o desassossego das Erínias esperam-vos e a qualquer momento
estão prontos a atormentar-vos. É a certeza que vos posso garantir: que sereis
vítimas, tal como outrora os nossos pais helénicos foram, de confrontos.
Confronto entre as personagens, conforto com as personagens e confronto entre o
teatro e a realidade, que todos pensa(va)m antiga mas no fundo tão presente…
… Senhores que conduzem mal os
seus exércitos, que governam mal as suas cidades, que utilizam ilegitimamente o
poder que lhes é confiado, estreitam relações e fazem novas alianças conforme
lhes convém, que sacrificam jovens porque a necessidade exige uma atitude
bélica como essa… Senhores que no
fundo não desapareceram, apenas mudaram os rostos e os nomes…
«Se as grandes crises, como diz Jaqueline de Romilly, têm qualquer coisa
de coletivo: por isso combina-se facilmente com o papel desempenhado pelo Coro»
também a resolução desse problema passa pela prática da justiça, pela vinda de
um Orestes que, mais do que vingar, vem restituir a ordem e fazer justiça!
Nuno
Campos Monteiro
Universidade do Minho
Universidade do Minho